segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Mãe e Filho - Alexander Sokúrov



"No meu entender... as pessoas vivem sem nenhum propósito específico. Mas morrem por um propósito específico” diz o filho à mãe. Sem dúvida, no século XX, muitos morreram pelos mais diversos propósitos.

O sentido último da vida é a vida em si e suas contradições insolúveis, a natureza e seus ciclos; a mãe que guiou o filho ao mundo, o filho que acompanha a mãe em sua agonia, o esforço doloroso de cada um em seus momentos mais importantes, não há nada mais importante e belo.

Obviamente, como não parece sê-lo a princípio, o trabalho deste cineasta tem um objetivo bem definido (e que não é a morte). Sokúrov, assim como a grande tradição “espitirualista” russa, é um crítico ferrenho de nossa contemporaneidade, nossa vida mecânica, agitada e cada vez mais desencantada. Como não poderia deixar de ser, surge aqui uma questão importante; que filhos hoje passam junto aos pais os minutos finais das vidas destes? Estamos cada dia mais condenados a uma morte asséptica em unidades de tratamento intensivo acompanhados por profissionais que muitas vezes ao menos sabemos o nome, pessoas as quais não sabemos que pratos preferem, do que não gostam de comer, se roncam quando dormem, ou se tem cócegas nos pés, ou se preferem a primavera ou o inverno...

A morte ideal (por que não a vida ideal?!) é aquela orgânica, fundida à natureza, mãe última a qual o homem deveria estar ternamente ligado, cercado por aqueles que carregam do mesmo sangue ou uma profunda simpatia espiritual, não aquela entre profissionais pagos para isso. Seria cômico, se não trágico, uma enfermeira esperando que um paciente morra depois do término de seu expediente, para lhe "poupar os nervos"...

A perfeita expressão dos anseios do artista encontra-se na beleza da imagem artística por este criada, para a qual categorias como forma e conteúdo tornam-se apenas categorias formais vazias de sentido e de vida; a arte busca pela verdade - não pela verdade científica ou teológica - busca por uma verdade que é até ultima instância, e apesar de tudo e de todos, bela. Neste ponto, ético e estético também tornam-se categorias sem sentido, pois fundem-se organicamente.



Em minha opinião a perspectiva inovadora – faço referência á plasticidade dos planos – esta que não é gratuita, pois como diria Tarkovski, um companheiro que precedeu Alexander; “Tudo o que há de novo na arte surgiu em resposta a uma necessidade espiritual”. O anseio de Sokúrov por aquilo que nos faz efetivamente humanos o levou a uma “deformação” do visual, tal como o vivenciamos no dia a dia, de modo a criar uma imagem artística organicamente viva e de extrema beleza, mesmo que moribunda e mórbida...

As constantes afirmações e comparações com as obras de pintores não fazem juz ao talento de Sokúrov.

Por outro lado, um pensamento vem me acompanhando, e acentuou-se enquanto assistia ao filme. Alguns artistas buscam os limites de sua arte e o que a distingue das outras, o próprio Tarkovski o faz durante seu livro todo, sempre dizendo que o cinema ainda não encontrara sua linguagem e que ele precisaria se distanciar e se libertar das outras artes, como a literatura, o teatro e a música[1], talvez, o que Tarkovski não tenha percebido – não sei sobre Sokurov - é que o que eles talvez buscaram e busquem seja algo como uma arte total, talvez seja esta a vocação do cinema, como a Arte Monumental de Kandinsky, não é pintura, não é música, literatura ou poesia, me pergunto – com uma provocação - seria cinema?



[1] Fato muito interessante é o fato de Tarkovski escrever um livro que se chama “ESCULPIR o Tempo”, tomando emprestado da escultura um termo que definiria a arte cinematográfica.