segunda-feira, 23 de abril de 2007

Andrei Tarkovsky fala sobre Solaris, Stanislaw Lem, Cannes e Fellini

Por quê, em um filme que poderia ser categorizado como ficção científica, você esta mais concentrado no drama de consciência do herói do que com a situação dramática na estação espacial?[1]

Quando eu li a novela de Lem
[2], o que me tocou, sobretudo, eram os problemas morais evidentes no relacionamento entre Kelvin e sua consciência, como manifestado na forma de Hari. De fato, se eu compreendi, e admiro profundamente, a segunda metade da novela - a tecnologia, a atmosfera da estação espacial, as perguntas científicas - era inteiramente por causa dessa situação, que me parece ser fundamental ao trabalho. Os problemas internos, escondidos, humanos, problemas morais, fundem-se sempre distantes, mais do que todas as perguntas da tecnologia; e em toda a tecnologia do caso, e como se torna, relaciona-se invariavelmente às questões morais, no final, estes problemas me interessam mais. Minhas fontes principais são sempre o estado real da alma humana e os conflitos que são expressos em problemas espirituais. E assim, eu dei mais atenção a esse lado das coisas em meu filme, mesmo que inconscientemente. Fazia parte do processo orgânico da seleção. Eu não apaguei o resto, mas tornou-se, de algum modo, mais apagado do que as coisas que me interessaram mais.


Qual a idéia central em seu filme?

O central são os problemas interiores, o qual me preocupei e que preponderou a produção inteira de uma maneira muito específica: a saber, o fato que, no curso da humanidade, do seu desenvolvimento, esta, numa mão, está lutando
constantemente entre a entropia espiritual, moral e a dissipação de princípios éticos, e na outra - a aspiração para um ideal moral. O esforço interno e infinito do homem, que quer se ver livrado de toda a restrição moral, mas procura ao mesmo tempo um significado para seu próprio movimento, na forma de um ideal, que é a dicotomia que produz constantemente o conflito interno intenso na vida do indivíduo e da sociedade. Parece-me que o conflito, e a busca fértil e urgente por um ideal espiritual, continuarão até que a humanidade se liberte suficientemente para se dedicar somente ao espiritual. Assim que isso acontecer, um estágio novo começará no desenvolvimento da alma humana, quando o homem será dirigido em seu ser interno por uma intensa e profunda paixão ilimitada, como dirigiu seus esforços até agora na sua busca para a liberdade. E a novela de Lem, em minha própria compreensão, expressa precisamente a inabilidade do homem se concentrar em seu interior, e os pontos de conflito entre a vida espiritual do homem e a aquisição objetiva do conhecimento. É um conflito que nunca da ao homem toda a paz, até que consiga a liberdade externa completa. Nós pudemos chamar esta liberdade social, a liberdade do indivíduo social que não é necessariamente o pão, o alimento, um telhado, ou suas crianças futuras. A humanidade não se move para a frente sincronicamente. Ela para e começa, vai afora em sentidos diferentes. E somente quando as descobertas científicas ocorrem no curso do desenvolvimento tecnológico há um pulo correspondente no desenvolvimento moral do homem. Há uma coesão extraordinária entre os dois. Aquele era o problema que me exercitou toda a hora onde eu trabalhava no filme. Em termos simples, a história do relacionamento de Hari com Kelvin é a história do relacionamento entre o homem e o sua própria consciência. É sobre o interesse do homem por seu próprio espírito, quando não tem nenhuma possibilidade de fazer qualquer coisa sobre ele, quando está perdido na exploração e no desenvolvimento da tecnologia.


E qual é o resultado do conflito entre Kelvin e sua consciência?

Em Kelvin está simbolizado o “perdedor”, porque tenta reviver sua vida sem repetir o erro que fêz na terra. Tenta reavivar a mesma situação, porque tem uma consciência pesada, porque sente culpado de um crime, e tenta mudar interiormente em relação à Hari. Mas não se esforça. Seu relacionamento termina como aconteceu na terra, a segunda Hari também comete o suicídio. Porém, se Kelvin pudesse reviver diferentemente este estágio de sua vida, não seria culpado na primeira vez. E realiza a razão para que sua inabilidade se efetive nesta segunda vida com Hari. Realiza o que não é possível. Se fosse, então seria possível pressionar a tecla deste microfone que está gravando nossa conversação, replay a fita adesiva, limpa fora o todo o que foi gravado, e o começo novamente como se nada tivesse ocorrido. E então os conceitos, assim como a vida espiritual, a consciência, e a moralidade, não teriam nenhum significado.

Isso tudo não da um significado de pessimismo ao final do filme?

A película termina com o que é o mais precioso para uma pessoa, e ao mesmo tempo a coisa a mais simples de tudo, e o mais disponível a todos: relacionamentos humanos ordinários, que são o ponto inicial da viagem infinita do homem. Apesar de tudo, essa viagem começou para preservar intacta, protegendo os sentimentos que cada pessoa experimenta: o amor de sua própria terra, amor daqueles perto de você, daqueles que o trouxeram ao mundo, amor de seu passado, do que sempre foi, e é ainda caro a você. O fato que o oceano trouxe para fora de suas profundidades a coisa verdadeira, e que era a mais importante para ele - seu sonho do retorno à terra - que é, a idéia do contato. Contatar no sentido de “humano,” no sentido de “fazer bem.” Para mim, o final é o retorno de Kelvin ao berço, a sua origem, que não pode nunca ser esquecida. E é mais importante porque tinha viajado assim, distante, ao longo da estrada do progresso tecnológico, no processo de adquirir o conhecimento.


Você acha que Lem ficou satisfeito com seu filme?

Eu não quis causar grandes expectativas a Lem sobre a película. É uma pessoa cuja a opinião eu tenho muito respeito, eu admiro seu talento e seu intelecto. Eu sou muito afeiçoado ao filme, e extremamente grato a Lem para permitir que eu o faça. Porém, a respeito do que Lem acha sobre o filme, eu não penso que se ofenderá ou se irritará pela película, ou achará que foi mal feita, ou com falta de sinceridade, ou com falta de profissionalismo. Até agora, eu não sinto que o decepcionei. Eu estou certo que gostará de Hari.


Você exibiu sua película em Cannes. O que você achou dos outros filmes que foram mostrados lá?[3]

Eu estou pasmo com o baixo padrão. Eu não compreendo. Por um lado, eu achei tudo altamente profissional, por outro lado, tudo era totalmente comercial. Por exemplo, trataram de um assunto que era limitado para ser do interesse de todos: o problema do movimento do classe operária, ou o relacionamento entre a classe operária e outros segmentos da população. E toda ela foi feita com tal olho às audiências, com tal desejo de agradar… tive realmente a impressão que todas as películas tinham sido editadas por uma e para a mesma pessoa. Mas na película, de tudo, a coisa a mais importante é estar ciente do ritmo interno. Assim, o que poderia ser individual teve o lugar comum tornado vulgar. É extraordinário. Mesmo a película de Fellini sobre Roma, a película a mais interessante de todas, mostrou-se fora do festival apropriado. É uma regra do jogo, dar-se combinado com a audiência, o ritmo editorial é assim, que com lisura faz-se sentir ofendido em nome de Fellini. Eu recordo planos seus, onde os tiros, o comprimento dos tiros, e seu ritmo, foram amarrados ao estado interno do caráter e do autor. Mas este retrato foi feito com um olho para o que está agradando à audiência. Eu acho aquilo repugnante. De qualquer modo, a película não nos diz nada de novo sobre Fellini ou sobre a sua vida.



Que você achou sobre o Macbeth de Polanski?[4]

Eu não gostei. É muito raso, muito superficial. Ignora completamente o problema moral da consciência do homem que está pagando pelo mal que cometeu. Eu sou desconcertado com o fato de que qualquer um pode falar sobre Shakespeare e contornar completamente
as questões espirituais envolvidas. É uma falha crucial na obra de Polanski. Suas intenções sérias se mostram somente em seu impulso em ser naturalista. A película é assim tão detalhada que cessa de ser realísta. O alvo do diretor torna-se óbvio, e com isto, temos meramente meios de conseguir um efeito. E uma vez que as audiências podem ler aquilo assim, claramente, a obra cessa de ser única, como uma moda, um filme que se transforma apenas em um alvo patentemente óbvio.



Quais são os seus planos agora?

Não é fácil falar sobre eles, para mim sempre muito amedrontador de fazer isto. Se você falar demasiado então nada acontece. Mas, de qualquer modo, eu tenho um roteiro todo pronto. Eu quero começar a rodar no outono. Será uma película autobiográfica, sobre minha infância
[5]. Olhará os mesmos eventos de dois lados: o ponto de vista da geração mais velha e minhas próprias percepções. Eu penso de que o uso daquele paralelo e que poderia criar uma maneira interessante de ver coisas, um ângulo interessante, e a interseção emprestará uma coloração curiosa aos eventos que são familiares a todos no curso de suas vidas. Eu estou muito excitado em relação ao roteiro. Eu estou muito ansioso para fazer a película, porque eu estou receoso que se qualquer coisa der errado, eu nunca retornarei ao mesmo tema. Eu pensei muito sobre o roteiro, e eu tenho tantas coisas para produção. E eu tenho a convicção de que se minhas idéias estiverem corretas, o filme ganhará vida própria.



[1] O seguinte é um transcrição de uma entrevista com Tarkovsky, conduzido por Zbigniew Podgórzec em 1973. Sr. Podgórzec entrevistou também Tarkovsky em 1972 - os fragmentos dessa entrevista são encontrados entre os excertos nesta página. Referência: A primeira tradução para o inglês desta entrevista apareceu em um apêndice in Time With Time: The Diaries 1970-1986, Seagull Books Private Limited, Calcutta, 1991, pp. 362-366. ISBN 817046083-2. Tradução para o inglês Kitty Hunter-Blair. Constitui abaixo os excertos da parte original. A tradução heróica do Inglês para o Português foi minha, porém faço questão de frisar que meu Inglês não é dos melhores. A entrevista no original pode ser encontrada no link, http://www.acs.ucalgary.ca/~tstronds/nostalghia.com/
[2] Escritor polonês, nasceu em Lwów em 12 de setembro de 1921, falecendo recentemente em Cracóvia, 27 de Março de 2006. Para mais informações, consultar http://pt.wikipedia.org/wiki/Stanis%C5%82aw_Lem
[3] Faz-se importante citar que o grande vencedor do prêmio de melhor filme desse festival (1972), Palma de Ouro, foi “A Classe Operária vai ao Paraíso”, de Elio Petri. Porém, o filme Solaris ganhou o Prêmio Especial do Júri, Federico Fellini, por sua vez, conquistou o Grande Prêmio da Comissão Técnica.
[4] Quanto a Polanski, não descobri a relevância do filme colocado em questão por Tarkovski em relação ao festival desse ano.
[5] O filme se concretizaria e se tornaria extremamente polêmico, tudo indica que Tarkovski estaria falando do filme, O Espelho.




Segue um importante trecho do filme, com legendas em inglês.





Algumas indicações:


"Esculpir o Tempo"
Andrei Tarkovsky

O livro funde diário, cartas, reflexões filosóficas e as concepções de Tarkovsky sobre a arte, sobretudo o cinema. Sem dúvida, um trabalho fundamental para a compreensão das principais influências do autor e com importantes referências sobre as inspirações do mesmo, porém, vai além de ser um simples livro sobre cinema ou um texto autobiográfico, pois apresenta considerações importantes não só sobre o cinema, mas a sobre a própria experiência da União Soviética.


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"Solaris"
Stanislaw Lem

A obra literária que inspirou o filme e que desbrava a inquietação do homem entre o infinito insondável do vácuo e a experiência humana. Uma obra de "ficção científica" influenciada por uma das mais fortes tradições humanistas, a de pensadores como Tolstoy e Dostoievski.




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Daniel


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